segunda-feira, 31 de março de 2014

Eu nunca fui boa em esportes. Na escola, era sempre a última a ser escolhida, muitas vezes sobrava. Já adulta, quando fui diagnosticada com depressão, minha analista disse que eu ainda sofreria com isso em outras fases da vida. Pelo meu histórico familiar, aquela não era uma depressão pontual. Eu podia passar a vida tomando remédio, mas ela achava que não, que com terapia, alimentação correta e exercício físico eu poderia controlar.

O exercício físico me ajudou em muitos corações partidos, em muitas depressões sem motivo. Eu aprendi a gostar do exercício e a me orgulhar de ter um corpo saudável, que funcionava. Mesmo não sendo atleta, eu subia ladeiras, pulava, corria, meu corpo me obedecia.

A festa de 60 anos do meu pai tava no final, eu me despedi da Hannah e voltei pra me despedir de novo. Não sei direito como aconteceu, mas eu me desequilibrei e virei o pé num degrau de 10 cm. Quando eu caí, senti e vi o meu joelho saindo do lugar.

Eu não pensei na dor. Eu não pensei na dor até chegar no hospital. Eu caí porque não sentia mais minha perna, as pessoas vieram correndo e eu disse "meu joelho saiu do lugar, eu preciso ir pro hospital." Enquanto eu caía, eu não pensava na dor, eu pensava "estraguei o meu joelho."

E esse pensamento, de estragar o meu joelho, de não ter mais um corpo saudável, o medo de pensar que poderia acontecer outras vezes depois dessa, esse pensamento, estraguei meu joelho, me deu um peso tão grande no coração que eu nem pensei na dor.

Eu mesma coloquei o meu joelho de volta no lugar, ainda em casa. Desci os três andares do terraço e entrei no carro sozinha, pra me levarem ao hospital. Pedi pra minha mãe buscar um analgésico e minha bolsa. Abri minha carteira, peguei minha carteirinha do plano de saúde e minha identidade. Eu não pensei na dor. Eu só senti dor quando cheguei no hospital e avisei que não ia conseguir sair do carro andando. Eu só senti dor de verdade na sala de medicação, porque eu nunca tinha estado numa emergência e eu nunca tinha tomado medicamento na veia. Meu corpo sempre funcionou.

Eu perguntei ao médico da emergência se eu ia poder correr de novo, se eu podia pular numa cama elástica. Ele disse "espera pelo menos uma semana." Mesmo que eu quisesse esperar menos, meu joelho dói pra dobrar, dói pra esticar, parece que ele tá tentando se reacostumar ao lugar dele. Mesmo se eu quisesse esperar menos, não foi isso que eu perguntei. Eu queria saber se meu corpo vai voltar a ser perfeito, a garantia de que isso nunca mais vai acontecer, de que eu posso confiar que estou pisando certo, posso confiar que meu joelho vai ficar no lugar. Eu preciso consultar um outro ortopedista, ele me diz.

Sim, foi a pior dor que eu já senti na vida. Quando saiu do lugar, quando eu botei no lugar. Foi a pior dor da minha vida. Mas não chegou nem perto de ser tão ruim quanto foi perder a confiança que eu tinha no meu corpo, que levei tanto tempo pra conseguir.

terça-feira, 25 de março de 2014

Assim que a minha Internet foi transferida, eu vim pra casa nova. Não tinha gás ainda, então não tinha banho quente. Que o Rio de Janeiro me desculpe, mas eu torci muito pro calor continuar aqui e não ir embora até que viessem instalar o gás.

Fiquei tão feliz de ir à companhia de energia elétrica colocar meu nome na conta. Ficar feliz de ter conta pra pagar, qual é a necessidade disso? Deito pra dormir e só acordo no dia seguinte um pouco antes do despertador tocar, mesmo morando em frente à linha do trem, que começa a rodar o quê, às 4:30?

oi, muito prazer, eu sou a ágata da islândia
na primeira noite eu fiz sanduíche, na segunda eu pedi comida porque eu ainda não tinha gás e tinha preguiça.

 já no domingo teve almoço, mesmo sem fogão, só com o forno elétrico.
 e no fim de semana teve visita ;)

Eu tava saindo pra ir à terapia, ele saindo pra ir embora, chegaram os técnicos pra ligar o gás. Você pode ficar com eles? Eu volto em 1h. Não sei como eu pedi, como nem me passou pela cabeça ligar pra minha analista e avisar que eu chegaria atrasada, nem chegaria, não sei como foi tão natural pedir. Eu na terapia recebendo mensagem "Seu aquecedor não tá funcionando, acho que é a pilha, tô indo comprar pilhas novas." E quando eu voltei, tinha banho quente e fogão funcionando.

Faz menos de uma semana que eu estou morando sozinha e minha mãe já me deu mais comida do que em 31 anos morando com ela.

a primeira música que tocou foi the wagon, do dinosaur jr, que era o que tava tocando no meu fone de ouvido quando eu entrei com as minhas malas.

terça-feira, 18 de março de 2014

this is happening

E eu achei que seria mais fácil, é claro. Que precisaria só arrumar minhas malas de roupas, sapatos e livros e sair. É o que eu tô fazendo, separando o que eu vou levar, o que vou doar, o que não sai daqui. Mas aí eu olho pro banheiro, lembro do primeiro tombo que eu levei aqui, eu tinha oito anos e minha mãe achou que seria uma boa ideia encerar o banheiro. Tudo o que eu já comi e foi feito no balcão da cozinha. A estante que meu pai fez pra mim eu vou levar. Meu saca-rolhas, meu travesseiro.

Eu moro aqui há 23 anos e só me lembro daqui quando eu penso em casa, mesmo lembrando que já morei em outros lugares. Na minha memória, minha casa sempre foi aqui. Eu brincava aqui quando ela estava sendo construída e a gente nem chamava de casa, mas de obra. O meu quarto era meu quarto mesmo quando ele tinha tijolo aparente, chão de cimento e não tinha janela. Ele nunca foi nada além de meu.

Então eu achei que seria só arrumar minhas roupas e sapatos em malas, meus livros em caixas e sair. Mas não é bem assim. Tem também a parte em que eu arrumo e espero que a minha casa vire a minha casa.


sexta-feira, 7 de março de 2014

Estava em dúvida entre dois cinzas para a sala. Eles eram tão parecidos na amostra, que eu não conseguia mesmo escolher um.

Os nomes eram Cinza nobre e Ágata da Islândia.

Acho que não preciso dizer qual eu acabei escolhendo.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Fui hoje buscar as chaves da casinha. Já comprei tudo, assim que estiver tudo lá eu me mudo. Comprei tudo de uma vez, passei quase o ano passado inteiro economizando para isso. Para me mudar sem dívidas, bem tranquila.

Minha casa nova é um apartamento num prédio antigo, sem elevador (mas eu moro logo no 2º andar, como aqui com meus pais), com apenas sete apartamentos. O meu quarto vai ser azul, a minha sala vai ser cinza. Já comprei as tintas também. Até tábua de passar e varal eu já comprei. Coisas de cozinha fui comprando ao longo do ano passado. Pratos, copos, luva de forno, travessas, já tenho tudo.

Espero que chegue tudo logo, porque eu quero logo aquele silêncio todo só pra mim.