sábado, 14 de junho de 2014

Outro dia eu estava no ponto de ônibus, veio um homem bêbado falar comigo. Falou coisas sem sentido, enrolando a língua e batendo na própria cabeça. Eu permaneci de pé, olhei para ele com uma cara muito séria e disse "não." Ele continuou falando coisas sem sentido e batendo na própria cabeça por um tempo, enquanto eu o ignorava olhando para o nada com uma cara muito séria, até ele se dirigir a outras pessoas que também estavam no ponto de ônibus.
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Há um tempo eu estava saindo com dois caras mais ou menos ao mesmo tempo. A gente estava bem no comecinho de qualquer coisa, eu com um e eu com o outro. Chegou um momento em que eu achei que tinha que escolher um dos dois e eu não escolhi o cara que disse que ia procurar minha marca preferida de pães-de-mel na viagem que ele faria, e sim escolhi o cara que me chamava de pedante e me fazia dar três pulinhos para São Longuinho quando encontrava algo que ele estava procurando, como o iPod perdido na casa dele que não tem televisão, como a minha.
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Quando o bêbado que falava coisas sem sentido, enrolando a língua e batendo na própria cabeça se aproximou do homem que esperava o ônibus comigo, o homem saiu andando, atravessou a rua, apressou o passo; o bêbado atrás dele, falando coisas sem sentido e batendo na própria cabeça.
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O que aconteceu foi que o cara que perguntava no que eu pensava quando eu sorria com o canto da boca sumiu. Ele sumiu depois que eu disse que tinha comprado um presente para ele, o que me fez achar que ele tinha ficado assustado. O presente era só um pote de massinha e mais tarde eu descobri que ele também estava saindo com duas mulheres ao mesmo tempo e escolheu a outra, não a mim.
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A perseguição do bêbado durou um certo tempo. Para mim, pareceu um tempo curto, numa cena ridícula, mas para o homem sendo perseguido deve ter parecido muito tempo. Finalmente o ônibus chegou, e o homem perseguido atravessou a rua de volta para o ponto.
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A outra mulher, a que foi escolhida, partiu o coração do cara que leu um texto que eu havia enviado para ele, um texto do qual eu mesma não havia lido nada além do título e por isso ele me chamou de cretina, e depois comentou comigo o texto todo, bom a outra mulher partiu o coração dele, então ele começou a tentar se reaproximar de mim.
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Enquanto eu observava a perseguição do bêbado com o homem apavorado, eu pensei em quantas vezes na minha vida eu bati o pé no chão e disse "não, você não vai fazer isso comigo" apenas porque eu achava que essa era a postura que eu devia ter diante da vida e das coisas que acontecem nela. Quantas vezes eu poderia simplesmente ter feito o que eu queria, que neste caso era atravessar a rua com medo, mas me forcei a ser forte e dura, sendo forte e dura comigo mesma.

O homem perseguido atravessou a rua rindo de si mesmo, daquela situação maluca acontecendo às nove horas de uma sexta-feira, balançando a cabeça. Ele entrou no mesmo ônibus que eu.

8 comentários:

  1. "mas me forcei a ser forte e dura, sendo forte e dura comigo mesma.". Entendo muito bem o que é isso. Seus textos são excelentes! Algumas vezes, me sinto conversando comigo mesmo ao ler!

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  2. Faz uma semana que li o seu texto e desde então não consigo parar de pensar noutra coisa. O homem atravessando a rua, rindo, e depois entrando no ônibus. Quantas vezes também eu, como você, me impus ser forte e dura, quando queria ter atravessado a rua com medo? E no fim, o homem entrou no mesmo ônibus...


    (parabéns pelo texto e pela reflexão. como se vê, me tocou profundamente)

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  3. Ou seja, difícil não é fazer o que a gente quer... é querer (com intensidade suficiente) aquilo que a gente gostaria de fazer.

    Palavras... palavras...
    Me desculpe.

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  4. Encontrei seu blog por acaso.

    Muito interessante a forma como você estruturou o texto, contendo duas histórias paralelas de modo intercalado. Igualmente interessante é o conteúdo delas.

    http://omundoemcenas.blogspot.com.br/

    Adoraria uma visita

    Beijos, tenha uma ótima semana Renata

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  5. E a gente fala sem sentido mesmo...

    dentrodabolh.blogspot.com

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  7. Aiiiinnnnn, cadê texto novo?
    Bjo

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